Estava andando distraída pela rua quando tropeçou em um pacote. Depois de ver estrelas e de listar todos os palavrões que conhecia, percebeu que, com a topada, o pacote se abriu. Por curiosidade (sabe como é, signo de gêmeos, conjunção lunar e etc), abriu um pouco mais e viu que, lá dentro, havia um amor. Não era um amor novo, já estava, inclusive, bastante usado, mas dava para perceber que era dos bons, sólido, firme. Desembrulhou tudo, dobrou o papel e colocou o amor sobre uma mureta. Marcas de mordidas aqui, faltando alguns pedaços ali, mas ele estava praticamente inteiro. O cheiro ainda era bom, um restinho de laranja com canela. A cor era firme, destas que não desbotam. Decidiu levar o amor para casa. Não era seu, ela nem sabia quem o havia abandonado assim, na rua. Já entrara em sua vida causando dor: a topada machucara o dedão direito. Mas não é todo dia que se encontra um amor assim, embrulhado para presente no meio da rua. Chegando a casa, não encontrou um lugar onde pudesse colocar o amor. Ora o lugar era pequeno, o amor não cabia ali. Ora era grande demais, e o amor ficava perdido em meio a tanto espaço. Pensou mesmo se não seria o caso de guardá-lo em um banco, afinal, era artigo raro nestes dias, alguém poderia querer roubá-lo. Mas desistiu da idéia. Era tão bonito, tão colorido...estava pensando no melhor lugar para exibi-lo (sim, porque, arrependida da idéia de encerrá-lo em um cofre, agora queria mostrá-lo a todos que entrassem em sua casa), quando notou que ele rolou para um canto do sofá. E parecia confortável ali, encostado nas almofadas. “Então, era ali que ele queria ficar!”, pensou. E ali ele ficou.
Não era o seu primeiro amor. Ela já tivera outros. Alguns ela ganhara, outros ela comprara, mas nenhum deles tinha aquele apelo meigo, quase um pedido de cuidados, com suas marcas de mordidas e seus pedaços faltosos. Cuidava daquele amor com todo o seu coração. E ele retribuía. As marcas ficavam menos visíveis. Um dia, ela até pensou ter visto um sorriso. Podia jurar. E o amor crescia. As pessoas que a visitavam se surpreendiam com aquele amor. Um amor que não era dela, que ela encontrou na rua, que ela trouxe para casa. E ela fazia questão de mostrá-lo. De contar como o encontrou. Dez, vinte, cem, duzentas vezes. E as pessoas estranhavam. “Mas você nem sabe de quem é!! De onde ele veio? Não é falsificado?”. E foram tantos os comentários que o amor começou a ficar assim, meio ressabiado. E já não brilhava tanto, nem exalava
seu cheiro de canela e laranja. E ela percebeu. E um dia deitou no sofá, bem perto do amor. E chorou silenciosamente. Ele não era seu, podia até ser falso, mas lhe fazia um bem tão grande. Era tão bom sabê-lo ali, perto dela. Fechou os olhos e não percebeu que o amor encostara-se a seu corpo. Sentiu apenas o calor que emanava dele. Abriu os olhos e ainda teve tempo de ver uma pontinha entrando no seu peito, para sempre.
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