terça-feira, novembro 21, 2006

Brincando

Meu primeiro encontro com Deus foi às 14h30 de uma quarta-feira, se eu não me engano, em setembro de algum ano ímpar.

Eu estava sentada em um banco, debaixo de uma jaqueira. Estava calor. Nem um ventinho. As folhas paradas me olhavam em silêncio. Ele se aproximou por um caminhozinho que vinha pelo lado direito de quem está sentado no banco sob a jaqueira. No caso, eu.

Primeiro, me perguntou as horas. Eu levantei os olhos de uma formiguinha que levava um pedaço de folha, olhei para o relógio e respondi: “14h30”. Assim, em números mesmo.

Depois ele perguntou: “Calor, não é?”. Eu olhei para cima, franzindo um pouco os olhos por causa da claridade do sol. Senti uma gota de suor escorrendo pelo pescoço. Lado esquerdo. Até a saboneteira. “Muito”, respondi.

Ele continuou: “Você mora por aqui?”. Eu virei o rosto na direção dele, que ainda estava de pé. Vi primeiro o segundo botão da camisa. Tinha quatro furos. Mas a linha, meio amarelada, só passava por dois, assim, na diagonal. E tinha uma manchinha escura bem acima do botão. Achei bonito aquilo da mancha logo acima do botão. Ficava parecendo algum daqueles códigos usados por pessoas que controlam aviões ou que mandam mensagens em algum código muito, muito antigo. Estiquei o queixo para o lado esquerdo e disse: “Bem ali, depois da cerca”.

Depois: “Você sabe onde tem um bar ou uma lanchonete aqui por perto? Preciso tomar um guaraná gelado urgentemente”. E riu. Aí eu me assustei e olhei diretamente nos olhos escuros dele. Deus rindo? Os olhos dele tinham muitas rugas. E, quando ele riu, as rugas ficaram mais marcadas. Os caninos eram um pouco saltados e amarelados. Pareciam dentes de quem havia fumado muito ou tomado muito antibiótico. Deus toma antibiótico? Não fui muito rápida na resposta. Parecia que eu estava brincando de olhar em um caco de vidro. Meus olhos cresciam e diminuíam. Mas isso só acontecia na minha cabeça. “Não sei. Acho que...”. Mas ele não estava mais ali. Tinha ido embora, eu acho.

Lembro que pensei por um momento muito rápido: “Deus tem mais perguntas que eu”.

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